Playlists como Plataformas de Experiência: quando as listas de música ganham vida fora do streaming

Desde que nos deram a possibilidade de criar playlists e compartilhá-las com outras pessoas, essas listas de reprodução se tornaram uma voz por si só. Temos pensamentos, valores, humores e as representamos com música.
 
Nesse texto vamos ver como as playlists podem se tornar marcas com vida própria e podem ter desdobramentos sociais, culturais e financeiros em uma comunidade.

Playlists como Plataformas de Experiência: quando as listas de música ganham vida fora do streaming

O ano é 2021 e a maior plataforma de streaming do mundo – o Spotify – possui mais de 4 bilhões de playlists em seu acervo, entre editoriais e de usuários.

 

O fato é que, desde que nos deram a possibilidade de criar listas de reprodução e compartilhá-las com outras pessoas, essas listas se tornaram uma voz por si só. Temos pensamentos, valores, humores e as representamos com música.

 

Nesse texto vamos ver como as playlists podem se tornar marcas com vida própria e podem ter desdobramentos sociais, culturais e financeiros em uma comunidade.

 

A Era do Streaming: 70 milhões de faixas em um só lugar

 

Podemos considerar o nascimento da tecnologia do streaming como meados dos anos 90 nos Estados Unidos. A tecnologia de transmissão contínua serve para distribuir conteúdo digital, seja áudio ou vídeo

 

Dessa forma, ela chegou para “substituir” o download, já que não era mais necessário baixar um arquivo e ocupar espaço no disco rígido do computador, por exemplo.

 

Em quase uma década de evolução, o Spotify parece que chegou unindo o melhor da tecnologia que já vinha sendo utilizada por outros serviços: o acesso a milhões de músicas do Napster e do iTunes, a recomendação de novas faixas baseada no seus hábitos de consumo, herdado do Last.fm e do Pandora, e até o compartilhamento de música e interação entre os usuários, como o MySpace.

 

E, como toda inovação, trouxe uma outra abordagem ao mercado: enquanto seus antecessores se preocupavam em disponibilizar discografias inteiras para os seus usuários, o Spotify apostou fortemente na construção editorial de playlists e revolucionou a forma como consumimos música.

 

Hoje, não é mais tão comum buscarmos os novos álbuns lançados para ouvir na íntegra. Para ficarmos por dentro das novidades, muitos de nós temos preferido ouvir uma playlist que reúne o melhor de um gênero ou as músicas recém lançadas.

 

Não à toa, o Spotify é o serviço de streaming de música mais utilizado no mundo, com mais de 365 milhões de  usuários ativos por mês. E tem em seu acervo mais de 70 milhões de faixas, com adição de aproximadamente 60 mil faixas diariamente .

 

Além dele, cada gigante de tecnologia hoje conta com seu próprio serviço de streaming: Amazon Music (Amazon), Apple Music (Apple) e YouTube Music (Google), além da Deezer e Tidal – cujo dono é o rapper Jay-Z. Essas empresas são as principais, mas existem muitas outras na briga pela nossa atenção – e nosso investimento em assinaturas.

 

Portanto, temos ao alcance dos nossos dedos mais músicas que nos emocionam e nos representam do que temos tempo de vida para ouvir todas elas.

 

Por isso, criamos o hábito de salvar as nossas preferidas em uma lista de reprodução que pode ser infinita – ou nos dar a sensação de ser. Assim nasceram as playlists.

 

Como as playlists mudaram o nosso hábito de consumo de música

 

Se você acompanha a evolução da música, pelo menos nos últimos 30 anos, vai lembrar que as playlists nos remetem muito às mixtapes. A palavra em si vem lá do final da década de 60, e era o nome que se dava às compilações gravadas e vendidas em fitas K-7, e, posteriormente, em CD.

 

As fitas K-7 se tornaram essenciais na divulgação do trabalho de muito DJs na década de 90, os principais responsáveis pela criação dessas seleções musicais.

 

 

Atualmente, as playlists não são só simples coleções de música. As pessoas começaram a buscar conteúdos selecionados de acordo não apenas com seu gosto pessoal, princípio das mixtapes, mas com emoções e situações específicas (os moods).

 

“…estamos comemorando a forma como nossas playlists se tornaram expressões culturais e o engajamento intenso de nossos fãs, que alimentam nossa inteligência de streaming e o entendimento geral que temos deles.”, diz o Spotify.

 

Através da dita inteligência de streaming, o Spotify consegue mapear, algoritmicamente, os nossos hábitos de escuta de música, e lançar toda segunda-feira uma playlist com 30 músicas escolhidas por um algoritmo, chamada Descobertas da Semana.

 

Da mesma maneira, as playlists Mix, Feito Pra Você e Caminho Diário são exemplos de listas criadas a partir do que os algoritmos absorvem dos nossos hábitos de consumo.

 

Com isso, nos acostumamos muito rapidamente a só escolher a playlist que nos agrada, que combina com um momento ou uma situação específica, ao invés de escolher música por música que queremos ouvir.

 

Não queremos só ouvir, também queremos compartilhar

 

Parafraseando os Titãs, “a gente não quer só ouvir música, a gente quer compartilhar e saber o que os outros estão ouvindo”.

 

Outro hábito que o streaming veio para mudar, e ajudar na construção de identidade e comunidade, foi o compartilhamento de músicas e playlists com outras pessoas.

 

Enquanto na época do download era necessário transferir uma enorme quantidade de dados em MP3 para o amigo ouvir a mesma música, hoje apenas com dois cliques é possível compartilhar vivências musicais com outras pessoas.

 

A interface entre as plataformas de streaming e as redes sociais alavancaram – e muito – a popularização do hábito de usar a música como forma de expressão.

 

Quando compartilhamos uma playlist que se chama “Pretos no Topo”, dizemos indiretamente que estamos posicionados a favor da pauta racial. E isso está intrinsecamente ligado à identidade e comunidade.

 

Foi dessa forma que, segundo o Spotify, as playlists “cresceram e se tornaram epicentros culturais, completas e com comunidades próprias. Em RapCaviar, mais de 14 milhões de fãs superengajados acompanham o mundo do hip-hop. ¡Viva Latino! tem 11 milhões de ouvintes apaixonados” .

 

E essas comunidades de fãs apostam nas playlists como palco dos lançamentos que serão as novas febres dos gêneros: o hip hop recém lançado que vai fazer muito sucesso está na RapCaviar.

 

Quais os impactos das playlists no mercado da música?

 

Certamente, ter uma música em uma playlist com mais de 14 milhões de curtidas é o sonho de todo artista. Não só pela quantidade de plays que isso vai gerar, mas também pelo que representa estar em uma playlist dessa.

 

Uma das funções da RapCaviar, por exemplo, é lançar tendências, é dizer o que deve ser ouvido no momento, é ditar as novidades e os sucessos.

 

Estar em uma playlist dessa representa hoje a relevância que seria aparecer na TV ou tocar no rádio há não muito tempo atrás,mas com uma diferença bastante significativa: na TV ou no rádio, o artista fala com um público aberto, composto por pessoas de diversas tribos. Na playlist, ele está focado em um nicho, provavelmente composto por mais de 90% de “clientes qualificados”, ou seja, pessoas completamente dispostas a ouvir sua música.

 

As listas de reprodução que já agregam valor à faixa ou ao artista só por estar ali são uma variável importante no ecossistema da música, e por isso interessam a todos os players desse mercado, principalmente, artistas, gravadoras e distribuidoras digitais.

 

Devemos deixar claro mais uma vez que todo esse sucesso se deve à construção da comunidade ao redor dessa playlist. Se 14 milhões de pessoas se unissem em prol de um gosto em comum, o que poderia – e ainda pode – acontecer?

 

O futuro das playlists: elas podem se tornar entidades independentes do Spotify?

 

Em 2018, o site Trapital levantou essa questão, considerando justamente o sucesso global da RapCaviar.

 

Curiosamente, a playlist rendeu outros diversos produtos fora da plataforma do Spotify. RapCaviar alavancou sua marca para lançar turnês de concertos em várias cidades com Gucci Mane, Chance The Rapper e outros.

 

Além disso, o Spotify homenageou o sucesso da playlist em uma exposição no Brooklyn Museum em Nova York.

 

playlists rap caviarPantheon RapCaviar Spotify. Fonte: Spotify.

 

 

Em 2017, o RapCaviar do Spotify criou um Panteão do mundo real, completo com esculturas em tamanho real dos três maiores artistas inovadores do ano. Hoje, RapCaviar está anunciando o retorno da Pantheon, bem como de seus homenageados em 2019 – Cardi B, Jaden Smith, Juice WRLD e Gunna – quatro disruptores culturais que estão causando um impacto inegável no hip-hop.” – Spotify

 

E não para por aí: para comemorar 5 anos da playlist, o Spotify investiu em uma experiência interativa, batizada de Day 1 Club, que oferecia aos usuários do Spotify uma visão geral de como ouviam o seu artista de rap preferido, qual música eles ouviram pela primeira vez e quando o artista foi tocado pela primeira vez. Esses resultados podiam ser compartilhados nas redes sociais com um card personalizado.

Campanha Day 1 Club do Spotify. Fonte: Behance

 

Essas campanhas demonstram que a RapCaviar é capaz de gerar receita por conta própria, por meio de publicidade, gravadoras e outros canais.

 

Outro caso importante dentro desse contexto é a Trap Nation, uma das 25 listas de reprodução mais seguidas do Spotify e administrada independentemente por uma empresa chamada The Nations.

 

Trap Nation é sua lista de reprodução carro-chefe, com quase 2 milhões de seguidores no Spotify. Como a RapCaviar, Trap Nation já hospedou uma série de shows ao vivo e foi além: a The Nations criou uma gravadora que já lançou mais de 200 músicas e que garante aos seus artistas, na sua maioria em início de carreira, um lugar na playlist.

 

Quais outros desdobramentos essas playlists podem ter para unir fãs ao redor do mundo, fortalecer a marca e, claro, gerar mais receita para os artistas e marcas envolvidas?

 

Playlists para amplificar vozes: desdobramentos sociais através da música

 

Como mencionamos, um dos grandes fatores para o sucesso das playlists é o fato de termos nossos posicionamentos e valores representados de alguma forma por elas, quer seja pelas músicas ou pelos artistas que estão reunidos ali.

 

E muito além de desdobramentos comerciais e publicitários que levam a “marca” da playlist, projetos sociais criados a partir desse produto do streaming podem fazer a diferença em uma comunidade.

 

Como é o caso da playlist Escuta as Minas. Como uma iniciativa do Spotify para amplificar as vozes das mulheres brasileiras, a playlist já se desdobrou em uma música, um videoclipe e um documentário originais, além de um curta-metragem sobre a busca contínua pela igualdade das mulheres.

 

Recentemente, a playlist também deu vida a um projeto chamado Casa de Música Escuta As Minas, premiado com o Prêmio Marketing Contemporâneo 2019 e Projeto Original, da Associação Brasileira de Marketing & Negócios (ABMN), e Prêmio SIM, na categoria Projeto do Ano.

 

Casa de Música Escuta As Minas. Fonte: ADNews.

 

Mais do que propiciar a gravação de novas artistas em um estúdio de ponta e 100% de liderança feminina, o projeto Casa de Música Escuta as Minas criou uma forte rede de mulheres da indústria musical. A conexão dessas profissionais certamente irá mudar o cenário brasileiro nos próximos anos, não só em cima dos palcos, mas atrás deles, comenta Juliana Laguna, da FLOW.

 

O projeto inédito incentivou e buscou mais representatividade das mulheres no cenário musical. Como resultado, foram realizados 20 Workshops, 5 Eventos especiais com 312 convidados: Evento Som Livre – Lançamento Ana Vilela; Lançamento Luana Marques; Evento More Girls; Evento premiação WME e Evento Consciência Negra, 5 Masterclass com 154 convidados, 5 audições com participações de Negra Li, Priscila Alcântara, Liniker, MC Pocah, Maiara & Maraísa, entre outras coisas.

 

Iniciativas como essa demonstram o poder de uma ideia traduzida em música e, na última década, também reunidas em playlists representativas.

 

Podemos dizer que essas iniciativas demonstram o poder de uma playlist.

 

Playlists como plataforma de experiência

 

Como as plataformas de streaming fornecem pouca – ou nenhuma – possibilidade de interação entre público, artistas e curadores, quando uma playlist ganha uma grande notoriedade e engajamento do público, é natural pensar que o conceito dela migre para lugares onde as pessoas consigam se comunicar e compartilhar ideias.

 

É assim que nascem as experiências interativas como canal de diálogo e relacionamento. Tudo centrado no usuário e no fã.

 

Essas estratégias reforçam a criação de comunidade ao redor de um produto e constitui um exemplo de investimento para marcas que buscam justamente essa conexão com seus consumidores.

 

Há tempos as playlists não são só uma lista de música. Hoje elas podem ser encaradas como produtos dentro da estratégia de marketing.

 

Acreditamos que playlists independentes – bem formuladas – podem se tornar marcas com vida própria, impactar socialmente uma comunidade, influenciar a cultura com apoio a artistas iniciantes e ainda gerar receita para os seus criadores.

 

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